As Tardes da Júlia
Não costumo ver, e nem é bem do tipo de programas que me cativa, mas hoje nem sei bem nem porque sim, nem por que não, parei lá o comando num dos exercícios de zapping em procura de algo interessante na TV, enquanto os garotos estão a chapinhar no jardim.
O tema tocou-me e muito... "O divórcio dos meus pais...". E é estranho perceber que um programa de televisão conseguiu mexer tanto comigo. Também passei por isso, e ouvir os testemunhos das convidadas, os telefonemas, foi para mim reviver tudo... a minha infância... a minha juventude... a relação deles... a separação... o divórcio... o abandono... o sofrimento...
Foi o fim de muitas coisas e o início de tantas outras...
São recordações tão dolorosas que me fazem ter um nó na garganta e as lágrimas a escorrer pelas faces, dói tanto... mas não consigo aguentar mais e tento deitar tudo cá para fora...
Sem falar muito do casamento deles que sempre esteve longe de ser perfeito, nem sempre me apercebi do sofrimento que causava à minha mãe tal relacionamento, mas a relação com o meu pai sempre foi considerada por mim até aos doze anos como normal. Como eu estava enganada! Mas a minha inocência de menina fazia-me ignorar muita coisa e desculpar muitas outras... não tínhamos uma relação normal... longe disso... mas sim uma relação desinteressada da parte dele, era pai só quando lhe dava jeito, que era quase nunca... Dividíamos as mesmas quatro paredes mas era a minha mãe que se tratava de tudo e de nós, que estava sempre presente e que nos colocava sempre em primeiro lugar.
Mas amei muito e idolatrei até o meu pai... mas tudo isso se apagou com o tempo...
Não sei bem se a ruptura foi repentina, se foi apenas um desgastar de uma relação por si apenas frágil...
O meu casamento e a consequente saída de casa e de país, também alterou muita coisa, as conversas, os telefonemas restringiam-se a datas mais ou menos importantes, aniversários Páscoa, natal, enfim... O divórcio deles começou a ser então o verdadeiro princípio do fim... O apoio incondicional dado da minha parte à minha mãe nunca foi entendido, nem suportado por ele.
Que passou a ignorar a minha existência, o meu aniversário, as minhas gravidezes e o nascimentos dos próprios netos... Tanta indiferença fez com que eu também começasse a retribuir... Mostrei-me indiferente, nas minhas últimas férias de verão... fiz-me de "forte" e de "desinteressada" na sua pessoa... chegando ao ponto de ele ter entrado no mesmo restaurante onde eu estava e não me ter dirigido a palavra... e eu fiz o mesmo... algo que nunca na vida me irei perdoar... a única vez que o ignorei voluntariamente... e foi a última vez que o vi com vida... ele faleceu 24 horas depois... E quando recebi a notícia, este acto martelava-me na mente... a culpa... a dor de o ter perdido para sempre... a culpa... a vergonha de ter agido assim... Foram todos sentimentos tão fortes...
O dia da sua morte e do funeral foram dos mais negros da minha vida...
Mas os sentimentos não se ficaram por aí... infelizmente...
Senti outros dos quais não tenho muito orgulho, mas que ocuparam o meu ser...
Senti pena, ao me aperceber das condições miseráveis em que tinha deixado cair a vida dele, estava sozinho, abandonado na sua sorte, talvez que ele próprio escolheu...
Senti raiva, pela vida que levava e por todos os problemas que nos deixou...
E agora passados estes meses todos sinto uma paz de espírito que não seria de esperar. Mas o facto ter a certeza que ele não nos vai arranjar mais problemas, que a miséria dele acabou ali, faz-me sentir assim... pode ser egoísmo da minha parte, por pensar assim mas é o que sinto.
Nunca na vida desejei a sua morte e sempre acreditei que ele viveria muitos anos... mas por vezes penso, que talvez também tenha sido melhor assim para ele, pois para mim sei que foi...
Mas uma revolta fica sempre dentro de mim, pois lá no fundo guardava a esperança de um dia talvez ele ser um verdadeiro pai e eu a filha que talvez eu não soube ser e ele talvez merecia...
Sempre quis que os meus filhos tivessem contacto com os avós, mesmo com ele, mas pode chamar-se avô a alguém que vira as costas aos próprios netos, que na sua inocência de três anos o chamam?! Não sei bem, mas vou tentar manter acesa a memória dele nas cabecinhas deles, nem que sejam por histórias e memórias minhas, daquelas felizes que ainda guardo lá no fundo do baú das recordações, nalgum canto da minha memória...
Até à próxima, mais calma, mais leve e com menos um esqueleto no armário...
4 comentários:
Tambem vi o programa e achei o teu post muito comovente...
Nao sei o que escrever,apenas dizer-te que agora tens a tua familia e que cocerteza é mais importante que tudo!!
Beijinho grande!!!
Ácredito que tenhas passado por momentos muito angustiantes e tristes, mas é bomperceber que soubeste dar a volta e também tu construires a tua família que tanto amas e que partilhas connosco. Lembranças temos sempre e, boas ou más, são sinal de vida e de que somos humanos e sentimos. Fazes bem em perpetuar a memória do avó materno dos teus filhos, mas nunca lhes ocultes nada. Conta tudo de acordo com as ocasiões. O pior de tudo éesconder a verdade. :-) beijocas larocas com amizade
Como sabes, também perdi a minha mãe em Outubro, sei o que é esse carrossel de emoções que descreves: desgosto, alívio, culpa, indiferença, revolta, etc. Enfim, o luto é assim, um bocadinho de tudo. Bjs.
Temos de continuar em frente e pensar: primeiro que ele está num sítio melhor depois que não temos culpa da nossa relação com ele ser o que era... e por fim que ele escolheu sempre tudo a pensar nele....
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